“Existem em todo o homem, a todo o momento, duas postulações simultâneas, uma a Deus, outra a Satanás. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de elevar-se; aquela a Satanás, ou animalidade, é uma alegria de precipitar-se no abismo.”
Charles Baudelaire
por Mhorgana Alessandra
O termo comumente utilizado “escritores malditos” ou “poetas malditos” faz referência aos autores que mantêm um estilo de vida à margem da sociedade. Praticando a desobediência, estes rejeitam as regras impostas pelo ambiente externo e se recusam a pertencer a qualquer ideologia pré-estabelecida. Normalmente, o termo é utilizado para rotular aqueles escritores incompreendidos em seu tempo, ou que tiveram suas obras censuradas. Em geral, esses escritores são reconhecidos após a morte. São figuras conhecidas por adotarem hábitos tão destrutivos, como o abuso de drogas, crimes, violência, melancolia, que terminam a vida literalmente na miséria total.
O autor dessa expressão, Alfred de Vigny, utilizou-a pela primeira vez em sua peça Stello em 1832, mas a popularização desse termo se deu por volta de 1888, quando Paul Verlaine publicou uma série de artigos intitulada “Les poètes maudits”, no qual poetas como Tristan Corbière, Rimbaud e Mallarmé eram enfatizados, se referindo aos poetas como “la race toujours maudite par les puissants de la terre” a raça sempre maldita para os poderosos da terra.
O maldito é o que se opõe ao olímpico pela crítica literária. A obra desses escritores é traduzida como transgressão, pois eles se rebelaram contra as tradições. Em suas obras, o objetivo é perceber a realidade através dos sentidos e transformá-la em poética. Os dois grandes ícones deste movimento foram Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire, que influenciaram muitos dos maiores escritores dos séculos XIX e XX. Eles se juntaram a um grupo de poetas talentosos e sem nenhuma censura: Paul Verlaine, Stéphan Mallarmé, Tristán Corbière, Jules Laforgue e Charles Cros.
Estava criado, o mito do artista boêmio. Esse grupo superou o simbolismo ao racionalismo, contestando os valores da burguesia, em oposição ao realismo e ao parnasianismo. Os malditos defendiam uma literatura inspirada em uma realidade aristocrática e por se encontrarem à margem das opiniões, suas atitudes eram sempre anárquicas. Muitos desses textos falavam das perversões humanas e da paixão pelo lado obscuro e às vezes perverso. São obras dotadas de pessimismo, de horror, sem nenhum juízo moral. Tidos como transgressores, esses escritores se rebelaram contra as tradições e costumes de sua época. Adotaram uma postura polêmica e de resistência aos meios culturais. Essa alcunha de maldito, sempre foi dada aos que mantinham um estilo de vida que confrontava com a moral da sociedade como um todo. Repulsa, nojo, ódio, paixão e melancolia se destacaram em seus textos. John Fante e Charles Bukowski, testemunharam o drama real, a embriaguez, o retrato fiel de um homem comum.
No Brasil, tivemos escritores marginalizados como suas próprias obras. Alguns críticos citam como brasileiros malditos: Sousandrade e Cruz e Souza, João Antônio, Paulo Leminski, Augusto dos Anjos, Eduardo Guimarães, Álvares de Azevedo, Rubem Fonseca e Alice Ruiz. E por fim, Nelson Rodrigues, o mais polêmico escritor, que mostrou ao brasileiro que há uma hipocrisia na sociedade que se diz santa, mas que gosta de apreciar um lado sombrio, libertino e sem nenhuma moral ou bom costume imperante.
Em entrevista ao programa Painel, realizada por Otto Lara Resende em 22 de agosto de 1977, Nélson Rodrigues criticou o descaso das ”grã-finas de narinas de cadáver” e dos “idiotas da objetividade” pelo Brasil. Dissertou sobre a vitória numérica dos “cretinos fundamentais” sobre os inteligentes, elogiou a molecagem como melhor qualidade do brasileiro e admitiu que era um homem cheio de obsessões. O certo é que a verdade ainda assusta e constrange, e o rompimento com o moralismo na literatura, ainda é um projeto que precisamos trilhar a passos largos.
Mhorgana Alessandra, é mineira, psicóloga e escritora. Diretora da Anima – Núcleo
de Desenvolvimento Humano, ministra palestras e consultorias sobre diversos temas do comportamento humano. Casada, mãe de duas lindas meninas, participa como autora e organizadora em diversas antologias. É idealizadora do blog literário Literanima e membro do projeto A Arte do Terror e da Associação Brasileira de
Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror (Aberst).
Excelente texto!
Tento mostrar nos meus textos que o lado sombrio do homem muitas vezes prevalece e é mais normal do que o que se costuma pensar.
Há muito de maldade no mundo e mostrar isso de forma clara e direta nos afasta de leitores/críticos mais sensíveis, que preferem olhar para a vida entre flores e unicórnios coloridos.
Não chego a ser “maldito” no estilo de vida, mas sou no estilo de escrita.
Muito bem colocado! Excelente texto!
Os malditos são incompreendidos
Pessoas alem do tempo e do espaço
Não passamos de poeira se comparados a eles
Adorei o conteúdo do artigo, muito bem escrito. Sempre preferi os escritores malditos.
Sou fã dos sonetos de Augusto do Anjos, amo Nélson Rodrigues de paixão. Assisti Véu de Noiva, no Rio de Janeiro, nos tempos da facul de Letras, com a Susana Vieira ainda bem novinha no papel principal, ela e a maravilhosa Tônia Carreiro. Foi lindo!!! Os contos de Rubem Fonseca são verdadeiras jóias e amo o romance dele Bufo e Spalanzanni. Amei tua coluna.
Excelente, como sempre. Parabéns pelo texto!
Obrigada meus queridos, vocês são um estímulo! Abraços em todos.
Não tenho mais o que enaltecer sobre os textos da Mhorgana.Simplesmente magnificos.